Espaço entre a dor e o consolo
Esta tarde não apareceste e eu fiquei triste. Esperei-te no jardim do Barreiro, como tínhamos combinado durante a semana. Levei os óculos escuros para que ninguém me reconhecesse - é longe do Seixal, mas nunca se sabe... Fiz a barba - sabes que não gosto de fazer a barba - e pus o after shave. Levei a camisa aos quadrados que disseste que gostavas. Aguardei a tarde toda pela tua saia curta e justa, mas ela não apareceu. Eu queria ligar-te, a perguntar onde estavas, se demoravas, mas sei que não gostas que te telefone - o teu marido pode fazer perguntas. Mandei uma mensagem a perguntar por ti. Respondeste a dizer que estavas atrasada. Fui ao café beber um copo, passei pelo quiosque e comprei um jornal, trouxe um que trazia a notícia do Carlos Cruz e da filha. Voltei ao banco do jardim, à sombra, e fiquei a ler os resumos do futebol. O tempo demorou e tu não chegaste. Queria ligar-te outra vez, mas fiquei-me pela mensagem escrita, de novo. Respondeste que afinal já não conseguias ir, que não podias ir. Perdi a tarde. E lembrei-me que as miúdas passaram a semana toda a pedir para ir à praia, eu inventei desculpas pobres para negar a vontade delas. A minha mulher nem se importou, ela não gosta de praia, prefere ficar em casa a arranjar alguma coisa, que tem sempre coisas para fazer. Eu, que passei a semana a imaginar o momento em que te consumia os cabelos loiros numa pensão barata da Baixa da Banheira, fiquei pendurado nessa tarde, nesse jardim feio, com um jornal na mão, sozinho. Voltei para casa. Triste. Sei que não voltarás a responder às minhas mensagens. E, nesse fim de tarde de sombras amargas, apaguei o teu número.
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