Um blog partilhado por Felisbela Fonseca e Nuno Catarino.

14 outubro 2004

Assim

Podiamos ficar a ver o sol cair sobre o rio e adivinhar amanheceres do outro lado do mundo ou ver a lua cheia enquanto a enchemos de homenzinhos verdes de olhos enormes e sorrisos largos para logo a seguir nos perdermos de risos. Podiamos apanhar o barco até à outra margem, muito cedo, ainda com a neblina a disfarçar horizontes e a deixar os cabelos húmidos, regressar só à noite e redescobrir a cidade iluminada a cada embalo do cacilheiro e depois procurar um chá quente entre as colinas. Podiamos ficar assim. Podiamos...
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Podiamos ficar assim. A ver o rio, embalados nas ondas do fim de dia. A imaginar mundos e a fingir brincadeiras, enquanto nos deixávamos levar pela corrente. Podiamos tentar uma discussão sobre a forma das nuvens ou podiamos simplesmente conquistar o mundo num sorriso. Podiamos olhar o céu e ver, alternadamente, a noite e a lua, as nuvens e o sol envergonhado. Podiamos seguir navegando pelo rio acima até que alguém nos dissesse que era impossível continuar. Podiamos tentar tudo numa noite, numa madrugada ou num preguiçoso anoitecer. Podiamos voltar para casa ou podiamos continuar para sempre até ao fim que fosse possível. Podiamos... Tudo.
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13 outubro 2004

Vou de comboio de Lisboa até um lugar qualquer num dia solarengo em pleno outubro

O comboio vai cheio de gente. Não sei qual é a minha estação ou apeadeiro. Se a viagem fôr longa tento aconchechar-me num dos assentos corridos de napa cor de vinho, dos antigos, gastos, onde cabem três ou quatro pessoas apertadas mais a tralha que se traz da terra e deixo-me adormecer com a mochila agarrada a mim para não haver nenhum azar. O discman ajuda a desligar das conversas alheias e distrai pensamentos obsoletos para vidas tão curtas. Sim, a vida é para se viver e há coisas em que não se deve pensar muito. Talvez seja assim que todas as pessoas do comboio fazem e por certo não será um exercício muito complicado. Talvez. Mas sou só eu que não sei para onde vou. |f|

O inverno caiu hoje sobre o dia. Acabaram-se as mangas curtas e a noite adormeceu mais cedo. Estava na estação à tua espera. Passei a tarde toda à espera. Nunca se sabe o que pode acontecer, eu tive medo. Temi que não viesses, que te arrependesses, que tivesses preguiça e escolhesses ficar fechada em casa a gastar pacotinhos kleenex enquanto desperdiçavas tempo a pensar no "podia ter sido". Sorrio quando te vejo chegar. A vida não se pensa (muito). Vamos vivendo, enquanto houver oxigénio para as emoções. Sorrio quando vejo o comboio chegar. Vens carregada, eu ajudo. Não olhes para trás, só nos podemos arrepender do que não vivermos. |n|