Um blog partilhado por Felisbela Fonseca e Nuno Catarino.

15 maio 2004

Antes, quando ainda não tínhamos um chip dentro da pele, junto ao pulso, a vida pulsava mais!

Não sei onde está o passe. Raios! Deve estar na carteira mas não o consegui identificar no meio de todos os outros cartões. Temos a carteira recheada de cartões iguais. Cartões plastificados com a mesma e exacta medida, uns verdes, outros azuis, cor de rosa e outras cores, uns com fotografia, outros chip ou banda magnetica, a versão pós-moderna de existências, pertenças e habilitações. Não sei dele e o metro está quase de partida. Sem tempo para uma busca mais atenta ao dito passe, pousei a carteira sobre o sensor electrónico e as portas abriram É quase magia. Mesmo assim perdi o metro. [FF]

Por momentos perdi-te. Pensei que viesses com elas, as outras, aquelas para quem estar não significa nada. Um par de minutos que cheguem mais cedo a casa vale-lhes mais que a partilha possível de emoções. Isso não é nada e eu esperar-te continua a não ser nada, afinal eu sempre tive razão: aquilo que nos une é tão frágil que se quebra na chegada do metro à estação. Às 18h32 tudo se vai. Tu também. Eu fico mais pobre. [NC]

Sempre disseste, repetiste mais que uma vez e mesmo assim nunca acertaste. Ficamos todos mais pobres de todas as vezes que não deixamos que o tempo se perca. Depois das 18h32 sigo para o comboio que me leva sempre para o mesmo lugar, sempre pelo mesmo caminho, quase sempre as mesmas caras, os mesmos olhares vazios. Estamos todos pobres. [FF]

Acertei e tu sabes bem que tenho razão e é essa evidência triste que nos desfaz em pedaços moles. Talvez fossemos maiores se pudessemos prolongar tudo o que nos deixa. Mas somos estúpidos e a banalidade de que somos feitos abafa qualquer hipótese de fuga. Nunca foste mais que isso, nunca somos. Mas sei que se quisermos podemos ir mais além. [NC]

O dia a acabar e eu sem saber se serei mais estúpida do que banal ou se posso ser, talvez, uma fuga. [FF]

Sabes bem que seremos sempre mais que isso. Tu sabes e sentes que sim, gostas é de te enganar. Mas hoje é tarde. É o fim. [NC]

13 maio 2004

Razões da Impossibilidade

Penso nisto e tenho frio, é tudo tão impossível e é só o que nos faz viver. Só te peço que não te deixes escorregar para a vulgaridade, tu és tanto mais que isso. Não posso pensar mais. Um beijo no pescoço acabaria tudo, semanas de ternura e depois nada. Por isso acaba antes de começar. Não vás. Fica. Vai. Não sei. Não me mates, é isso, eu estou apenas doente. [NC]

Todos os dias fazes essa cena e desde que estás doente ainda pior! Desculpa-me se te magoo mas és um péssimo doente. Disse-te que era melhor assim, que sei que somos parte um do outro mas somos uma impossibilidade a dois. Ontem depois de te ver, depois de te ouvir dizer coisas que sabes que dispenso e depois de calar tudo o que não saberias entender, depois, ainda pousei os meus lábios sobre os teus, ainda te dei uma festa como se fosses um menino e ainda deixei que uma lágrima desenhasse o meu rosto e acabasse no pescoço que gostas de beijar devagarinho. Tenho de ir senão quem me mata és tu! [FF]

"És um péssimo amante" - tinhas mesmo de me cuspir isso antes de passares para lá da porta? É isso que procuras na banalidade musculada daquele bronco que te paga copos em troca de ti? Desculpa se te sufoco, mas agarro-me à vida por ti. Não me interessam as luas ou as noites sem ti. Preferes esse calor do outro e és feliz assim. É por isso que me mato. [NC]

A doença tem-te amargado! Sabes que te quis mais do que a qualquer outro homem, que fui para ti a mulher que mais ninguém conheceu e que me fazes sempre menina de todas as vezes que me afagas o rosto com essas mão enormes para depois fazeres chover beijos sobre os meus olhos. Sabes que não existe mais ninguém, que ele é só uma companhia para os copos que testemunha a minha embriaguês de amor. Nunca me chamaste amor, nem eu a ti! [FF]

Connosco nunca houve essa necessidade de verbalizações afectivas. O toque da tua pele sempre bastou. Agora que esse pequeno grupo vestido de preto me olha, triste e saudoso, tu já não me olhas, tu afastas a cara e eu, mesmo de olhos fechados, vejo que afinal talvez por alguma vez tivesses sido minha. [NC]

Contaste-me o sonho vezes sem conta com ínfimos detalhes como se tivesse acontecido instantes antes, como se tivesse mesmo acontecido, e eu sentada ao teu lado a agarrar-te as mãos suadas e a ver-te numa expressão que não conhecia, em absoluto desespero. Foi a pior noite de todas. Vi o dia acabar e passei a noite em claro sem saber o que fazer, a querer acreditar em qualquer coisa. O dia nasceu outra vez e não me fui embora porque queria que me visses quando acordasses. Se pudesse levava-te para casa comigo e oferecia-te o lugar previligiado da velha poltrona que herdei da minha avó e que sempre foi teu nos nossos serões de inverno e depois fazia chá de ervas com um casca de limão e um pouco de mel. [FF]

Asas Embebidas de Silêncio


sE A VIDA FOSSE BOA
e OS DIAS FEITOS DE VONTADE DE VIVER
dEIXAVA CAIR TUDO NO CHAO E FUGIA...
dEPOIS DIZIA AO TEU OUVIDO QUE ESTAVA UM DIA BOM PARA VOAR
e TU LEVAVAS O VINHO.

(e ELE RESPONDEU... "eU NAO BEBO!") [FF]



E de repente aconteceu tudo tão simultâneo que nem me apercebi da tua chegada. Vinhas acompanhada e feliz, pelo menos era assim que o enganavas, escondeste as asas e quase nem as vi, bebi e cerveja. O céu gosta mais de ti. Eu bebo mais uma. Eu sei que a vida pinga tristeza mas eu aos goles driblo-lhe a vontade. [NC]



Talvez tivesse sido melhor não beber... mas estava calor e veio mais uma cerveja para a mesa, uma para ela e outra para ele, uma num copo e outra na garrafa que era assim que ele preferia. Era assim que se passavam alguns dias. A conversa vinha devagar e seguia doce até o tempo impôr regras e outros compromissos. A cerveja a destilar.

...antes de sair chegou perto dela e disse baixinho: "sIM lEVO O vINHO... e dEPOIS pODEMOS tIRAR aS aSAS pORQUE jÁ nÃO pRECISAMOS dE mAIS nADA." [FF]

12 maio 2004

Chá (Verde)

Esqueci-me do bikini no toalheiro da banheira. Se procurares por mim não me encontrarás, nem nos cabides do roupeiro, nem nas gavetas da cómoda nem nas abundantes cores da 2ª, 3ª e 4ª gavetas do camiseiro. Na prateleira sobre o lavatório não ficou um pó da sombra azul que gostavas que pussesse nos dias que saiamos, nem o rimel e outras "coisas de gaja" que ainda assim nunca foram o meu forte. Podes ainda tentar sem sucesso descobrir-me nas pilhas de cd's, nos livros que ficavam em montinhos irregulares na sala e julgo não ter deixado nenhuma das revistas de decoração que colecciono de forma quase compulsiva e que ficavam sempre espalhadas por todos os cantos. Podes encontrar perdida numa qualquer gaveta uma das muitas molas que detestavas que usasse para prender o cabelo que preferias ver solto, talvez encontres mais que uma... algumas foste tu que escondeste! Mas quando tomares duche sozinho logo à noite encontrar-me-às no verde seco do meu bikini que ficou pendurado a secar no toalheiro da banheira. [FF]

Chá (Frio)

Passei a noite a beijar a garrafa, desejando que fosses tu. Em Nova Iorque podiamos ser um bocadinho maiores do que a mesquinhez que somos aqui, mas é tão longe. Aquela rapariga de meias às riscas que ali vai a passar podia substituir a tua falta e de vez em quando até podíamos ser felizes. Mordo o lábio para me lembrar de ti. A distância mata, sabes, mata tanto. Eu ainda acredito que um dia esse bikini seja meu. [NC]

Chá (Com Sal)

A praia... sabias já que não havia nada maior que o mar... nada que me pudesse levar para mais longe. Está calor mesmo de bikini e sou um grão de areia que não pode ser menor. A erosão já passou por aqui... [FF]

Chá (Quente)

Imagino-te aí longe, no calor da praia e do bikini que me mata, e sei: não passo de um monte de insatisfação ambulante. [NC]

11 maio 2004

A tarde é mais doce que tu

Sopra-me ao ouvido durante mais três minutos, sossega-me a noite suja que ameaça matar o dia, desliga-me a vontade e faz-me só teu, faz-me número integral ou ampola medicinal, sopra-me durante o dia, a noite cai, o copo vazio, o cinzeiro cheio de tempo gasto, nada de nada, tu és assim tão grande e eu sou uma fava seca, o copo acabou. Vou buscar mais. Mais do mesmo, tu és a sério ou o brinco que te agarra ao céu é assim não silencioso? Brada palavrões de forma que te oiça, o jantar espera-me, depois a sms do costume, depois outro copo mas a essa hora o sol já não passa de uma ideia vaga de luz em ti. [NC]