Um blog partilhado por Felisbela Fonseca e Nuno Catarino.

27 novembro 2004

A despedida é mais triste quando não olhas para trás

Desço as escadas mais difíceis de toda a semana e tento não olhar para trás, não me quero transformar em sal. Estiveste tão fria, hoje. Fugiste sempre da minha vontade infinita de te tocar, provar a alma, descansar a cabeça no teu umbigo e ficar a sorrir a noite toda. Afastaste-te tanto, como a dizer desse modo tudo o que a boca conseguiu evitar. Desço as escadas mais tristes do momento mais frágil da semana, o táxi já saiu do Largo do Cauteleiro e eu sou só um fantasma a vaguear nas Escadinhas do Duque. Já nem o meu castelo, que olha de frente, me consegue arrancar um sorriso, a noite está fria, tão fria, quando fizemos o caminho a subir não era Inverno, pois não? Atravesso as estrelas azuis do Rossio na esperança de uma chuva de magia, mas agora vejo só falsos milagres à base de electricidade. Talvez a esta hora o táxi já te tenha entregue inteira em casa, eu nunca hei-de voltar o mesmo. Fiquei sem vontade, roubaste-ma lentamente, aos bocadinhos, e prendeste-me o desejo em fios de marioneta. A esperança vaga que ainda havia foi-se há poucos minutos, quando negaste um último beijo, só queria uma boa noite, só, e tu viste filmes e sabes que não se negam beijos de despedida, eu fiquei a mastigar o sabor do bocadinho de pescoço que não conseguiste afastar. São 02h11, estou acordado, lembro-me que aqui em casa houve um jantar mas não quiseste ficar comigo afogada no sofá a ouvir o Sérgio que cantava sobre quem parte corações como quem parte um baralho de cartas, sei que fomos passear e sei que num momento da noite, entre um gole de café doce e a matrícula de um táxi, fui transformado em nada, perdi tudo o que nos levanta da cama e provoca sorrisos, tu seguiste em frente impassível à lamechice de um pateta magoado, ofegante de cansaço interior como de tripas do avesso, mas só quando vi que o martini se derramava no chão à medida que bebia do copo é que percebi finalmente que não havia mais nada.
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26 novembro 2004

Quarto Crescente [IV]

Logo depois de a perder tentou encontrá-la em outros braços, em outros beijos, e se ela não fosse sempre tão maravilhosa era mais fácil deixar-se levar. Não há nada que anule tão penosa ausência. O whisky já pesa na cabeça e os cigarros já são todos iguais, queimados sem vontade, sem sabor. O copo fica a meio, pousado sobre a mesa quadrada, o masso vazio embrulhado num punho fechado. Foi num repente que se levantou... a cadeira arrastada sem jeito depois de a ver com o sorriso doce nos lábios com tanto para lhe oferecer.
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23 novembro 2004

Lua Nova [III]

As noites... tão longas sem ela. Há sempre almas perdidas à espera de pessoas, de palavras, de afagos, de sentir só o calor de uma mão, à espera de qualquer coisa. Ele só esperava por ela que era tudo, a atravessar a porta, a sorrir, a esvaziar os copos altos, dourados como a sua pele doce que não lhe sai da cabeça. Os cigarros nos intervalos dos tragos, as conversas de circunstância com outras almas despidas. Tenho frio, grita baixinho, para si mesmo, tenho tanto frio.
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