Um blog partilhado por Felisbela Fonseca e Nuno Catarino.

20 agosto 2004

Num vagaroso arrastar de lençois

Acordei cheia de sono. O dia claro, muito claro invade sem modos o quarto minimalista de paredes brancas a refletir gritos quase histéricos de bom-dia. Hoje não quero. O despertador começa a tocar como se estivesse em casa a empurrar-me às pressas da minha cama, a expulsar-me do meu aconchego. Hoje não me apetece. Saio da cama em trajes menores e fugo em passos pequeninos nos bicos dos pés até me encontrar quase por inteiro no espelho grande da casa de banho. O locutor de rádio que ouço ao longe diz entusiasmado que o dia de hoje será mais simpático que o de ontem e que o fim-de-semana será de sol. E se passássemos o hoje à frente? Digo baixinho ao espelho surdo-mudo. Hoje não tenho vontade. Depois do duche estabilizo os graus de gravidade, os parâmetros ditos normais de consciência, e uma capacidade razoável de raciocínio. Volto ao quarto de pés bem assentes no chão. Já não tenho sono. Hoje até pode ser, só porque sim. |f|

Um café e um abracito

Hoje estás longe, mas por enquanto é apenas uma ausência passageira, sei que vais voltar e o frio vai-se embora. Mas agora já não falta muito para que te vás embora de vez. E não quero imaginar esse tempo. Onde vou eu buscar a ternura que me dás todos os dias, como um pequeno almoço que reconforta a alma? Em cada sorriso que me ofereces eu sou um pouquinho mais quente por dentro e o dia nasce bem. |n|

Aqui sinto o mesmo frio que sei que será maior quando esse dia chegar. Mas sabes que preciso, que não posso esperar mais, que não posso ficar nesta morte lenta que é já penosa demais . Desculpa. Mas prometo sair de noite, devagar, sem permitir que o teu sono desperte da cama ainda quente. Deixo algumas coisas minhas para saberes que voltarei e levo um dos teus CD's preferidos, dos originais, para ter a certeza que ligas. Prometo sair devagar. |f|

17 agosto 2004

Um Dia Haverá Luar no Inverno

Prefiro os dias limpos, quentes e alegres. Há mais pássaros e menos pulgas, mais sorrisos e menos camisolas de lã. Num apartamento pequeno da Brandoa o betão escuro, feio e triste dos prédios sujos esconde a ansiedade de uma vida insatisfeita que só os matraquilhos do futebol da televisão conseguem disfarçar. As latas de cerveja, agora amontoadas no caixote do lixo, ajudam a evitar momentos mais difíceis, é duro enfrentar uma vida que não gosta de nós. Lá fora ainda é de noite. |N|

O cinzeiro enche-se de beatas dos cigarros que ajudam a matar esse tempo sozinho que passa vagoroso demais. À noite adormecesse a alma cansada de tanto correr... foi assim que tudo começou, depois do cansaço. Sentou-se na cadeira robusta comprada orgulhosamente no IKEA quando ainda era loja não acessível ao denso subúrbio de Lisboa, descalçou os Camper já gastos, desabotoou o primeiro botao das calças de ganga e ficou ali. O cansaço mata tanto, tão devagar... ainda é de noite. |F|