Num vagaroso arrastar de lençois
Acordei cheia de sono. O dia claro, muito claro invade sem modos o quarto minimalista de paredes brancas a refletir gritos quase histéricos de bom-dia. Hoje não quero. O despertador começa a tocar como se estivesse em casa a empurrar-me às pressas da minha cama, a expulsar-me do meu aconchego. Hoje não me apetece. Saio da cama em trajes menores e fugo em passos pequeninos nos bicos dos pés até me encontrar quase por inteiro no espelho grande da casa de banho. O locutor de rádio que ouço ao longe diz entusiasmado que o dia de hoje será mais simpático que o de ontem e que o fim-de-semana será de sol. E se passássemos o hoje à frente? Digo baixinho ao espelho surdo-mudo. Hoje não tenho vontade. Depois do duche estabilizo os graus de gravidade, os parâmetros ditos normais de consciência, e uma capacidade razoável de raciocínio. Volto ao quarto de pés bem assentes no chão. Já não tenho sono. Hoje até pode ser, só porque sim. |f|