Estrondo
Não te esqueças de fechar a porta, devagar por favor que da última vez que conversámos sobre o assunto bateste a porta com tanta força que o quadro que tinha pendurado no corredor caiu seco sobre os tacos de madeira e por falar nisso tenho que ir buscá-lo à loja de molduras onde o deixei para consertar o estrago. Não é pelo quadro, uma reprodução vulgar dos Malmequeres do Picasso, nem pela escolha forçada de uma nova cercadura, é pelo soar do estrondo que fica dias e dias a ecoar na minha cabeça juntamente com todas as palavras amargas que não és capaz de evitar de todas as vezes que voltamos a conversas que não deviam ser repetidas, pelo menos para já, que as almas estão ainda agitadas porque também não se volta ao mar enquanto a tempestade não acaba.
Pensei que hoje ia ser diferente, até estava com saudades tuas, cheguei a considerar a possibilidade de passarmos um bom bocado numa amena cavaqueira e aproveitava para te contar as novidades sobre o curso novo e logo depois convidava-te para um copo no próximo fim de semana porque fui promovida e vou juntar todos os que partilharam comigo esta aventura que como tão bem sabes, melhor que qualquer outro, foi uma guerra de nervos com muitas horas sem dormir e pilhas de papel sobre a mesa da sala e o portátil ligado quase dias seguidos. Mas não, não tinha nada saudades tuas, não te conto nada da minha vida e tão pouco quero que apareças para um copo porque não mudaste nada, não sabes nada e voltaste a bater a porta.
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