Um blog partilhado por Felisbela Fonseca e Nuno Catarino.

17 fevereiro 2005

A Visita

A tua casa era no topo da árvore mais alta de todo o bosque. As escadas subiam num caracol sem fim e era por isso que ficava tonta. Enfeitava-me de flores sempre que recebia o teu convite para uma sopa de cogumelos encantados, vestia o vestido verde muito comprido, deixava os cabelos ruivos escorregar pelas costas e apressava o passo sobre os pés descalços no caminho junto ao rio. Encontrava-te à janela e depois subia para o caracol que haveria de entregar-me aos teus braços. Dentro de casa tinhas sempre um vendaval de folhas de papel escritas de um lado e do outro, rabiscadas, riscadas, folhas e mais folhas que se misturavam com as claves de sol e as colcheias que dançavam ao som das músicas do gramofone incansável.
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16 fevereiro 2005

Crime Passional

Há laços nesta vida que se apertam com o tempo. Um dia quis acabar com o nosso, não sabendo que os laços muito apertados não se conseguem nunca desfazer. Foi então que ficámos num limbo, ficámos num abismo suspensos sobre as pontinhas dos pés sabendo que um dia haveríamos de cair. O tempo foi passando e laço a apertar. Se cairmos, caímos os dois. Agora sei que tens uma faca afiada na mão, que queres cortar a corda e deixar-me cair sem piedade no chão de terra vermelha, seca, onde morrem todos os amores. Sei que vais fazê-lo hoje no preciso momento em que olhares para mim e incendiares os teus olhos negros. Não devia ter deixado que o tempo apertasse tanto o maldito laço que agora me arrasta para a pira inflamada do teu olhar. Nunca consegui desfazê-lo apesar de todas as noites perdidas à luz de uma vela a tentar descobrir as suas voltas misteriosas. Agora sei que se cairmos, caio só eu.



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15 fevereiro 2005

Quando?

Quando é que vamos ao cinema, quando é que vamos a um concerto, quando é que passeamos na praia, no campo e na cidade, quando é que conhecemos uma nova cidade. Quando é que vamos andar de bicicleta e fazer uma escalada e nadar na piscina. Quando é que comemos um bom petisco numa terreola perdida e passamos a tarde com os velhos na taberna da esquina. Quando é que nos embebedamos e rimos das tolices próprias e das alheias. Quando é que corremos ruas a tocar às campaínhas, quando é que acordamos quem dorme às tantas da matina. Quando é que viramos a noite em conversas como cerejas, quando é que enfim nos deitamos juntos, enroscados e nos trocamos num beijo doce. Quando é que fazemos isto tudo. Quando é que chegas. Quando é que bates à minha porta.
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14 fevereiro 2005

My Funny Valentine

No dia 14 vendem-se flores, peluches, balões em forma de coração, postais com rimas fáceis, leva-se o par a um jantar com velas, ela usa a blusa mais bonita comprada de propósito para a ocasião e tem roupa interior sugestiva, ele veste o fato do costume com uma gravata mais vermelha que o habitual e usa os boxers novos... Depois têm mais 364 dias sem jantares, sem noites de paixão inesgotável, ele continua o caso que mantém há anos com a colega loira de pernas altas e ela continua a tentar engravidar para salvar a aliança que teima em escorregar do dedo. Não gosto de hoje. Não gosto de datas. Não gostos de peluches. Gosto de velas. Gosto de jantares em dias ao calhas com vinho tinto.
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