Um blog partilhado por Felisbela Fonseca e Nuno Catarino.

18 março 2004

Modo Breve de Morrer (Parte I)

Sente o suor que escorre de mim e diz-me boa noite, embora seja apenas de tarde e este cubículo fechado tresande a maldade empresarial, acaba com o teu amor em part-time e vem ter comigo de vez, mata a ansiedade que chove em mim, pesada, deixa-me ser teu assim muitas vezes fechados em suor ou então só mais uma vez mas com o tempo todo, para que o mundo acabe bem. E molhado, como tu quando me sentes no teu ouvido a trincar esse breve momento de céu, deixa-me morrer, mas por amor de Deus, larga-me o sapato e deixa-me a camisa, que isto não são modos de receber clientes. E antes que a chuva acabe de vez lá fora vai-te embora que ele já deve estar à tua espera, e se fosse mentiroso como a primavera dizia-te que não me importava que fizesses o mesmo, só por imaginar sempre a tua pele ao dispor dos meus dentes afiados de calor. E nem que passasse mais meia hora conseguia perceber a frase que deixaste presa ao meu peito, triste, peludo e nu, pensativo pelo resto da semana até ao dia em que te vir sozinha às compras no centro comercial e te convença a levar o detergente em promoção para que acabemos mais uma vez deitados a beber os dias líquidos cheios de pressa para que a cerveja não fique morta. Como nós. [NC]

17 março 2004

Silver Apples

A magia branca de arroz nesse tempo de fantasia emsombrada soluçava nas montanhas com a vontade imensa dos gafanhotos a fugir. Corremos agarrados, presos, as mãos entrelaçadas e tanto, tanto, que não lhes apetecia fugir, nem por um momento, dizias, nem por um momento, eu era parvo como tu e dizia nem por um momento, dizia, nem por um momento. O que não sabíamos era do monstro sardento e invisível que corria atrás de nós. E nós sem o ver, cegos de poeira enlaçada. Ele que te levou naquele dia de chuva horrível que não quero lembrar, a chuva horrível é mais horrível se tu te vais embora num dia de chuva horrível. Tu e eu, tu e eu. Bebe o copo de água transparente até ao fim e ficas transparente, sempre foste transparente e se ficou algo por ver foi porque eu não quis ver. O ruby falso, como tudo o resto que te disse e sempre acreditaste que era mesmo assim, falso como a mais dura verdade. Como os gatos que não frequentam este café nem esta mesa do canto com migalhas soltas que anseiam o regresso ao planeta quente da cor cigana. Como este resto de gelado que ainda lambo, já me devia ter ido embora mas o relógio ainda não marca duas, o pau de gelado que é oco de sabor como a verdade do medo, deves estar atrasada pois combinaste há dois dias e ainda não apareceste, se eu soubesse que o pau de gelado era tão amargo de nada pedia-te para combinar à hora certa e que não te atrases e talvez agora o cimento não fosse tão vermelho. [NC]