A despedida é mais triste quando não olhas para trás
Desço as escadas mais difíceis de toda a semana e tento não olhar para trás, não me quero transformar em sal. Estiveste tão fria, hoje. Fugiste sempre da minha vontade infinita de te tocar, provar a alma, descansar a cabeça no teu umbigo e ficar a sorrir a noite toda. Afastaste-te tanto, como a dizer desse modo tudo o que a boca conseguiu evitar. Desço as escadas mais tristes do momento mais frágil da semana, o táxi já saiu do Largo do Cauteleiro e eu sou só um fantasma a vaguear nas Escadinhas do Duque. Já nem o meu castelo, que olha de frente, me consegue arrancar um sorriso, a noite está fria, tão fria, quando fizemos o caminho a subir não era Inverno, pois não? Atravesso as estrelas azuis do Rossio na esperança de uma chuva de magia, mas agora vejo só falsos milagres à base de electricidade. Talvez a esta hora o táxi já te tenha entregue inteira em casa, eu nunca hei-de voltar o mesmo. Fiquei sem vontade, roubaste-ma lentamente, aos bocadinhos, e prendeste-me o desejo em fios de marioneta. A esperança vaga que ainda havia foi-se há poucos minutos, quando negaste um último beijo, só queria uma boa noite, só, e tu viste filmes e sabes que não se negam beijos de despedida, eu fiquei a mastigar o sabor do bocadinho de pescoço que não conseguiste afastar. São 02h11, estou acordado, lembro-me que aqui em casa houve um jantar mas não quiseste ficar comigo afogada no sofá a ouvir o Sérgio que cantava sobre quem parte corações como quem parte um baralho de cartas, sei que fomos passear e sei que num momento da noite, entre um gole de café doce e a matrícula de um táxi, fui transformado em nada, perdi tudo o que nos levanta da cama e provoca sorrisos, tu seguiste em frente impassível à lamechice de um pateta magoado, ofegante de cansaço interior como de tripas do avesso, mas só quando vi que o martini se derramava no chão à medida que bebia do copo é que percebi finalmente que não havia mais nada.
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