Um blog partilhado por Felisbela Fonseca e Nuno Catarino.

04 outubro 2004

Quatro sopros

Inspire... Expire... Falta-me inspiração, faltas-me tu. Falta-me o ar. E depois voltou ao mar. Mergulhou e afundou-se em águas profundas. Tinha voltado depois de ter decidido descobrir-se. As almas são complicadas e os espíritos rebeldes são eternamente insaciáveis e foi assim que tudo começou. Os anos passaram. Talvez nem sempre seja necessário chegar a algum lado. Fazem-se caminhos. O regresso, todos os regressos são inevitáveis. Voltamos sempre a nós. Falta-me o ar. |f|

Dá-me vida. Necessito de um fôlego para prosseguir. Vem e sopra-me. A viagem é difícil, a aventura é dura. Nisto, os anos passam. Mesmo quando o corpo emerge das águas do mar não há certeza que estamos vivos. Sofremos pela teimosia de termos uma vontade só nossa. Por vezes a vida teima em querer ir embora. É então que tu apareces. E sorris. Dá-me a tua boca. Agarra-me a face nas tuas mãos e faz um sorriso bonito, dá-me vida para a mais longa caminhada. |n|

Tenho o cabelo molhado, o vestido fino de algodão branco colado ao corpo, os pés descalços e os dedos das mãos enrugados. Submergi. A água pela cintura, os braços caídos, as mãos ainda afogadas. Desapareci. Encosta a tua boca na minha. Expira, inspiro... expiro-me, inspiro-te. Sopra-me. À volta só árvores muito altas, muitas, as copas estreitas em direcção ao céu a desenhar feixos de luz. Encontrei-me. O silêncio é imenso. O vento sacode levemente as folhas verdes e sinto a pele arrepiar. Estou viva. Ouvi o grito mudo dos teus olhos ao mesmo tempo que a água se agita. Rasgo a água em passadas largas até chegar a ti. Encontra-me. |f|

Falta-me inspiração, faltas-me tu. Procuro-te entre as ramagens tenebrosas da floresta onde nos perdemos. É tudo verde em volta, escuro, só vejo esperança na luz do sol que o lago ainda reflecte. Mergulho. A nadar no lago sou um nenúfar com esperança. Mergulho ao fundo da água. E é aí, escondida do medo, que te encontro. És sereia perfeita e vens ter comigo. Levo-te à superfície, vem respirar. Os lábios falam sozinhos, os lábios, já líquidos, encostam-se devagar. |n|