Acordei
Adormeci. Acordei. Frio. Aconcheguei-me. Estremeci. Dei meia volta. Calor. Destapei-me. Adormeci. Acordei devagarinho. Está sol. Espreguiçei-me. Fiquei a olhar para o tecto. Liguei o rádio. É segunda-feira. Pensei na minha vida, na minha morte, nos meus estados de alma, na imortalidade, na dança dos deuses, em totems. Pensei nos cigarros que fumei ontem. Pensei no comboio que apanho todos os dias, na bicicleta estacionada no corredor apartamento e na estante para a sala que nunca mais passa de um plano. Pensei no recibo da renda e fiz contas à vida, aos meses, todos, incluindo aquele que não existe no calendário, só na folha de vencimento. Pensei no cachecol "vintage" que comprei há dias, apesar do sol imenso deste outono e pensei ainda no corte de cabelo sempre adiado porque tenho medo daquela tesoura em mãos alheias, mas talvez faça uma franja. Alguém no rádio ganha um prémio de 1000 euros. Tenho que mudar de rádio, de estação, que é sempre a mesma coisa, a mesma música, os mesmos teasers, as mesmas risotas, até as notícias parecem ser sempre iguais. Pensei nas mães que fazem desaparecer as filhas, filhas e filhos que não chegam a ir à escola, que não têm aulas porque não há professores colocados, só desempregados ou precariamente empregados numa caixa de um supermercado qualquer. Pensei na ascendência não menos precária dos líderes políticos, na ausência de gestores competentes, nas empresas-fantasma, no ordenado-mínimo e nos telemóveis da 3ª geração. Pensei em emigrar, na volta ao mundo em 80 dias. Tirei os olhos do tecto. Dei meia volta. Fitei o rádio-despertador. É segunda-feira e não me apetece nada disto.
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